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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Cultura privada

Sala 1
Você sozinho num espaço grande, com máscaras, roupas, perucas, café, biscoito, música e microfones. Acrescentando a possibilidade de fazer o que se quiser fazer. Um paraíso? Na verdade, não. Uma obra.

No último sábado, dia 19 de janeiro, a estudante de teatro da UFRGS, Joice Rossato, estreou a instalação relacional "Questão de Escolha - Relações Público Privadas". E o que é uma instalação relacional? É uma proposta de criação de vínculo entre os objetos e o público que passa por eles. Para que algo aconteça (óbvio) e faça sentido, é preciso de interação entre as partes. Por menor que seja.


Utilidades úteis
O trabalho teve sua primeira solidificação durante 4 horas (das 16h às 20h) na sala 209 da Usina do Gasômetro. O objetivo era ver até que ponto as pessoas se permitem relaxar e abusar dos seus próprios desejos. De um lado todos os aparatos necessários para despertarem ânimo. De outro (lá na outra ponta e escondido, depois da cortina preta), um sofá confortável e uma televisão. De um lado a possibilidade de ser livre por 10 minutos, dançar, vestir, cantar. De outro, a intimidade partilhada.

Sala 2

Assim era estruturada a instalação. Dividida em duas partes. A primeira  trazia mil e uma utilidades disponíveis para a criatividade do participante. Um espelho, perucas, música, máquina fotográfica, etc. Dez minutos para usufruir das suas questões de escolha. Já a segunda, trazia imagens "ao vivo" da sala anterior, transmitidas por uma televisão próxima de um sofá. Quem era obra virava espectador. Passava a desejar (mesmo que inconscientemente) que os outros extrapolassem, dançassem, se permitissem. Pois bem! Aí, exatamente neste ponto, é que se mergulha nas questões da artista: Eu faço o que quero? Eu só sei ver e não sei participar? A resposta surge no deslocamento. É preciso passar pelas duas salas, olhar e ser visto, para compreender. Depois, talvez, se chegue a uma conclusão.

Imagem da televisão
O movimento de inibição causado pelo novo, pelo "tudo é possível", acaba se sobressaindo na obra de Joice. Lá, nada, ou quase nada, foi feito. E o motivo é simples: se tem muito. Se tem muito receio de mexer no que não é seu e está em exposição. Se tem receio de ir além do que deveria, assim, na exposição. Estamos tão limitados a museus e suas fitas amarelas nos impedindo de ver mais perto, que acabamos nos tornando robóticos e mecânicos: não mexer, não mexer. Estamos mecanizados para usar, quebrar e mexer no que está na rua, no quarto do outro, no canto da mesa e do sofá. Menos do que está exposto com este propósito (que coisa!) em galerias e afins. Para o público, degustador ou não, o que dizem ser "arte" é, por tanto, arte. Não se pode mexer. Mas tudo é compreensível, já que estamos acostumados a sermos naturais em nosso habitat. É uma missão complicada dizer para um desconhecido: entra, senta, faz de conta que você está em casa. Esse "faz" é de conta demais para muita gente. E acaba sendo limitador.

Porém, a não agitação do público não desqualifica a obra. Ao contrário do que se pensa, auxilia a artista no processo de encontro de respostas. É através dessa sensação de receios que a instalação cumpre seu papel. Entre os pontos positivos, se torna clara a triste "consciência coletiva" de que o artista e a obra "precisam ser santificados", postos em altar. E que, infelizmente, ela é uma das responsáveis pela distância cultural entre leigos e frequentadores, estudiosos e artistas. Acrescentada de "me vê o de sempre" ou duas doses de "mais do mesmo".

Webcam na sala 1
 Ainda que com falhas na divulgação e na organização do tempo, "Questão de Escolha - Relações Público Privadas" é um estudo encantador sobre a cultura local. Mais do que sobre as escolhas, fala sobre o choque sócio-cultural que é necessário enfrentar para se conseguir interação. É interessante pensar nele como um hermano, um Big Brother bom e revelador de receios. Bom mesmo seria muitos assim pelo mundo. Bom seria!




* A pesquisa iniciou no curso "Outros Procedimentos em Composição", ministrada por Karenina de los Santos, no ano passado. Para a realização foi preciso colaboração entre vários profissionais, sem custos. Para a criadora, a obra serve como experiência e resposta sobre as questões que permeiam sua vida artística. "Eu me questionava sobre a responsabilidade das nossas escolhas como público e não conseguia fazer isso dentro do teatro, não encontrava pessoas que quisessem encontrar essa resposta". E, no fim, o que importa são mesmo as inquietações e a coragem. Para dizer e continuar dizendo.



Mais imagens:

Sala 2

Recados para a artista

Karenina de los Santos, orientadora da pesquisa

O outro, sempre mais interessante

Aviso na entrada


Sala 1


Joice Rossato, a criadora

Equipe de apoio


E, claro, tive que participar total e intensamente. Tcharãn!





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