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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Um apelo sobre a cegueira humana

Meus olhos estão abertos. Tento captar a todo instante pequenas pausas de humanidade. Árvores balançando com a primavera, pássaros assobiando nos andares cinzas da cidade. Passos, traços e abraços. Vozes, suspiros.


Tenho a tecnologia para captar momentos. Há tanta gente que passa sem ver. Tantas fotografias em movimento, brotando flores, amores. O mundo tão vasto e tão próximo de nossos olhos (in)quietos.

Não percebemos as coisas. Não enxergamos. E a culpa é da própria humanidade que nos cria e consome. Como bichos. Animais. Buscamos a caçada perfeita para um reconhecimento entre os bandos. Não paramos um instante sequer, não olhamos para o sol, que ignora a presença das nuvens. A chuva por si só já é tão linda! Uma prova concreta das alterações de estados: gasoso, líquido, alegre, triste. Nossos olhos estão vendados com o pano da vingança.

Grito por pequenas pausas. Uma alteração de eixo. Uma rotinificação do perceber. O mar, o som, o cheiro. Que blasfemia invejar os cegos, mas eles, sim, nasceram com o dom da percepção. Capazes de reconhecer os cheiros.

Tenho pensado sobre a enorme venda que rabisca nossos olhos. Sobre a incapacidade de amar - não as pessoas; o ar, os tons e os sons.

Usina do Gasômetro, por Raisa Torterola.


A ruas tem muito mais a nos ensinar do que as casas? Desencontros nos projetam como nenhum encontro faria? O mundo ainda aplaude pobres conflitos de sabedoria. As artes se rebuscam de ingratidões. Levantamos bandeiras: fora aos clichês! Não queremos fotografias sem rosto. Tentamos a todo instante o caminho vazio.

Estamos cegos, meus caros, sem máquinas nas mãos. Somos impotentes contra o tempo, a pressa e a humanidade. Sobram instantes de alma artística: uma breve ilustração do cenário habitado.

É apenas um apelo sobre amar as pequenas coisas: sol, lua, céu e mar.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Sobre o contexto e Pina



Qual o verdadeiro lugar onde habitam os artistas? Palco ou platéia? Somos parte de qual sociedade? Comemos balas, temos inquietações com o breve silêncio?Por onde andam os nexos expostos ontem na obra - completa e imaginária- de Alain Plantel? A que ponto chegou a Bélgica que nos comprova o papel artístico-cultural no Brasil?! Céus, quanta pergunta viva dentro de um corpo, sentado e calado - gritando com lágrimas: quero invadir o mundo, quero dizer o que todos deletam. A vida é mais bonita se for mostrada com suas intoxicações, seus devaneios e “esculturalismos”. Ainda posso sentir aquele leve broxar, botões de rosa a se levantar de poltronas como a minha: assim começa uma carta à Pina Bausch.

Cabelos estranhos, pernas definidas. O palco sem cenário algum: dois microfones e um punhado de cobertores avermelhados. "Onde eles estão? Começou? E a música"? Mentes inquietas de pensamento a pulmão. Tosse, tosse, cospe. 

Aos poucos levantam e invadem o cenário: o vazio chega ao fim. Estamos observando, como fotografia em movimento. Dentro de mim um leve encantamento: posso entrar no palco também?

Despiram-se dos estereótipos. Calças, bolsas, sapatos. Roupas dobradas e ordenadas como sol e mar. Cuecas, sutiãs e calçinhas. Rosa, azul, roxo. Nenhum tom era mais bonito que a própria pele, exposta, disposta. "É isso? Assim? Não tem roupa"? 

Grrrruuuaaaáu. Som e imagem. Barulho de bicho feito por gente. Agora todos estão iguais. Tapados pelo mesmo tecido, sem lamentações, sem contexto. Aos poucos se encontravam pelo palco, se cheiravam, se olhavam. Que forte! Plantel me manipulou. Levou meu senso comum à flor da pele: o que Pina tem haver com isso? Desdobrou toda a significância, humilhou toda a insônia cultural. Alan arrancou meu coração e em troca presenciou as sensações.

Os microfones estáticos, os corpos se reconhecendo simultaneamente. Como é lindo! Vi uma dezena de animais evoluindo. Pele, osso, recheio. Aos poucos se identificando. Como os grunhidos e a respiração. Eram movimentos tão distorcidos - de fato. Corpos definidos, colunas elásticas, pernas e pés abusivos na perfeição. Um estudo real sobre a capacidade humana de mover-se. Pina tem tudo haver com isso.

Seqüencias alcançam o ápice de interesse: mexiam apenas mãos e braços. Sem brutalidade, mas com força. Gritavam dentro do próprio peito, remexendo as minhas lembranças: Pina. Puro e simplesmente para Pina. Braços, mãos, mãos e traços. 

Como um novo parágrafo, novos encontros, novos movimentos. Aos poucos Plantel escrevia no palco frases tão simétricas. Dizia-nos versos. A humanidade se reconhecendo, como bicho reconhecendo o outro. Tumti Tumti. Tumti. A música invade a platéia. Os corpos em exposição enfeitiçam com a ironia: dançavam exageradamente com a alegria sem sorriso. A pergunta que voltava na mente: posso invadir essa cena? Dançar como eles que ironizavam o pop, o hip hop? Mexer os braços e as pernas sem intenção aparente? Tumti. O público vai a delírio, sorri, ri. E eu? Choro.




"Out of the context - For Pina Bausch", divulgação.


 Um amontoado se forma no fundo do palco. Um oriental distorcia o corpo à frente. Criam-se assobios na platéia. Cria-se minha maior revolução: fiquem quietos! Quero observar com silêncio como ele faz para respirar fundo e dançar com a sua verdade. Riam demais. Riam tanto que aquele corpo pertencia a todos nós. E invadia nossas poltronas, dançava no rosto e no corpo de quem era por ele sorteado. Sim, dançava mesmo, de fato. Completando um terço de seu desabafo Alan Plantel recebeu palmas. A ironia atinge, mas será que convence?

O microfone permanece. Um deles dubla uma música - ópera, creio eu. Canta com o corpo, como se fosse seu maior sonhar. E à medida que a música toca nos indaga: canto ou dublo? Dubla. E a resposta só vem com o abandono brusco do microfone. Ainda existia uma voz em bom volume. O corpo, então, se move. BUM. A música termina e a sua garganta ainda grita. Risos inquietos na platéia.

"Fora de contexto". Fora de mim quando um dos corpos se aproxima e pede: levantem a mão direita. Que visual! Que lindo todas aquelas mãos para cima: o que ele quer? "Quem de vocês quer dançar comigo"? Ao fundo uma das músicas mais lindas que escutei até hoje. E toda a beleza das mãos some, deixando apenas dez ou mais. A minha estava viva, cada vez mais visível. Tudo o que queria era estar ali, invadir aquele palco, tirar meu vestido, me despedir dos estereótipos e enfim dançar com aquele homem. Sentir de perto aqueles corpos absurdos em arte, e dançar e dançar até a linda música terminar. Entender, afinal, o que foi Pina Bausch para o mundo, e o que diz Plantel após a morte dela. Nada naquele breve momento estava fora do contexto. Nada além de minhas lágrimas delirantes no entendimento. Senhores, a solidão é tão linda!

Ao fundo os corpos iam se esculturando em suas roupas. Trilhando seus caminhos, voltando para a platéia como de origem. E ele, aquele homem sozinho, ainda a espera de alguém para dançar. Meu braço era o único vivo e em pé. 



Bailarinos de Alain Plantel

Os aplausos antecederam o fim da obra. Publico errante! Deixem, por favor, o vazio do palco ser reconstruído. Esperem estes homens e mulheres serem homens e mulheres. Mas assim não se fez. Alguns saíram - ofendidos, creio eu. Outros ali, em pé, vivos, assobiavam e aplaudiam. Meu rosto ainda estava tomado pelas lágrimas. Ali, naquele instante vi Pina. A enxerguei dentro do peito de todos os corpos dançantes, de todos os aplausos imensos. Senhores, nada, nada além de sentindo invadiu o meu peito e arrancou meu lamento: Pina ainda habita o mundo. 


terça-feira, 9 de agosto de 2011

Brasil: Ordem sem sucesso;

Algumas coisas me revoltam: falta de ética, de princípios e coerência, principlamente! Tudo que não é levado a sério, não é, de fato, sério. Falo de dança, sim. Rodeada de gente sem ética e sem caracter - raras exceções.

A formatação da linguagem dançada- não como semiótica- parece abandonar seus próprios fundamentos. Prefiro dois aplausos do que mil cervos reverenciados. Abandonei o feudalismo! Quero arte por arte, sem formatos, sem decretos. Prefiro ser artista de rua, sem palco, sem platéia, mas honesta com minha arte e meus valores.

Minha procura ilimita meus medos, meus anseios: a simples vontade de fazer aquilo que, de fato, se tem a maior vontade!

Minha revolta não é gritaria; é gesto, quieto e mudo, habitante de um suspiro, um afago profundo entre aprender e respirar. A arte é uma pergunta - Céus, quantas vezes ei de repetir?!

Quero aplausos merecidos pelo processo: mil vezes a ordem do que o sucesso!


                                                           (Google Imagens)

terça-feira, 5 de julho de 2011

Protesto!

Por favor, não esqueçam que bailarinos são pessoas comuns, que estudam, se alimentam, sentem dor e frio. Trabalhamos com o corpo como instrumento de arte. Nossa busca é o mover-se, não o sacrifícar-se. Não nos desvalorizem! Somos cantores, atores, compositores do movimento; não simples aberrações. Pra nós dançar é arte, é trabalho. Respeite!

quarta-feira, 29 de junho de 2011

à Pina

Posso ver teu pranto se aproximar de meus lamentos: corpo e mente como variante, inconstante liberdade de sentimentos.

Sinto tua prece mais depressa que qualquer vapor, chega ferroz, grunindo as maçãs de árvores nem plantadas.

Vejo teus passos, calados na espera de um arrepiar, tua mão estendida correndo contra o mar.

Sinto o barulho da tua alma que movimenta tanta gente sentada na platéia, sinto tua voz invadindo meu caminhar: ainda está aqui.

Permanece viva dentro de mim, gritando meus póros, beijando meus braços. Ouço teu movimento, teu timbre agudo pedindo pra ficar.

Dance, menina, o mundo não pode parar. Corra entre meus dedos, te alimenta em movimento. Flutue com os olhos fixos de emoção. Tua alma é grande, não morre jamais.

Para Pina Baush
De Raisa Torterola

sexta-feira, 20 de maio de 2011

ARTI...



Quero falar de sensibilidade, signos e significados.


Tenho uma mania pouco destrutiva: gosto do que me emociona, do que me provoca, me faz silenciar em reflexão. A arte com seus sentidos – duplos e triplos. Sem saltos, sem piruetas impossíveis. Gosto mesmo de alma. De ver com lágrimas todas as verdades. Desde uma criação coreográfica até um mar erguido em solidão. Onde o bailarino me atinge, me invade, me enfurece com o vazio total. Estamos sós. Feitos de poeira e pó. Bailarinos contemplados com a mala de vivências, nada mais.

Gosto de entrar na paranoia  sentir os sentidos – todos! Gosto de tocar no rosto, de acariciar no colo e sentir o abraço. De sobreviver às angústias que assisto calada. Eis uma pura questão! Assistimos calados?

Ver pequenos GESTUS “Sobre todos nós”. Ver a mim em cena mesmo sentada em qualquer espaço. Passo. Aço. Faço. De mim um traço, sobre estar ali e voltar ao passado. Acessar minha memória de ‘solidó’. Compreender o corpo que se move a minha frente, mesmo que no escuro. Sentir o que a obra de arte sente – não o que o artista sentiu. Entender o que se espera do público e, mesmo fazendo parte dele, ser parte da obra.

Nós somos parte. Arte! Nós somos ARTI- gos, ARTI- stas! Nós feitos em gargantas. Presos por regras (tentar quebrá-las é a maior delas). Nós amarrotados de pele, osso, músculo. Somos obra a todo instante, movendo o espaço entre o faço e o vejo. Percebo?

Palavra como palavra. Dois, ao invés de 2. Tudo com clareza; ou não. Tudo percebido em sentido: tato, olfato. Fato!

Fim do primeiro ato.

A sinfonia francesa, a inquietação da platéia: POR FAVOR, DESLIGUE O CELULAR! PARE DE TOSSIR! PARE DE FALAR! ESCUTE! OUÇA! VEJA! VOCÊ É A PARTE MÓVEL DA ARTE!

Não! Não espere de mim piedade! Quero o silêncio, a solidão que me faz refletir. Gosto de invadir minha história, roubar memórias e ver o corpo todo lembrar. Gosto quando choro. Gosto muito quando choro e dói a garganta. É sinal de liberdade. PARE! VEJA! É A ALMA! Saltando do peito, invadindo a platéia, me pedindo pra ficar. Ficar ali, tão e só, ali.

Gosto de perceber – enxergar não é ver. Gosto de ir no fundo, congelar o coração. A arte se inspira na solidão. Gosto de me sentir só, guardar nos lábios palavras ditas sem diálogos: o corpo não trai. Atrai.

Signos! A ponte entre ser e SER. “Muito antes da palavra”. A dança, a música, o circo, a mágica, o teatro, a poesia, a vida. Tudo e todos alimentados pelo silêncio. É como ver o bailarino respirar. Quem consegue?

Quero falar de sensibilidade, signos e significados. Quero falar de vida, de arte, de parte.





(Cia Gestus, autor desconhecido)

terça-feira, 17 de maio de 2011

Ajudem!

A ARTE CÊNICA de Porto Alegre precisa da tua ajuda! Segue o link de um abaixo-assinado em prol da Lei de Fomento ao Trabalho Continuado em Artes Cênicas. (Artistas, ajudem a divulgar!)

http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N8964

sábado, 30 de abril de 2011

A falta de silêncio me incomoda...

Ido Tadmor, autor desconhecido.


O maior problema da arte é a falta de silêncio. Tanto na realização de uma performance silenciosa, quanto nas questões particulares do público sobre a mesma. A liberdade de gostar ou não gostar jamais deve esmagar o mérito de estar ali, pronto para aprender, para socializar. A dança é a maior linguagem da alma - já dizia Martha- e não se pode culpá-la quando escutamos aquilo que nos incomoda. Continuo nessa busca, nessa procura louca de artista, tentando entender como as pessoas não são capazes de silenciar, seja sua opinião, seja sua tosse. Não é um apelo para o fim das críticas, mas uma procura pelo silêncio.

Meu corpo não vai gritar o que quer, não vai chorar, nem amar. Meu trabalho vai dizer aquilo que as palavras jamais conseguiriam, aquilo de que a poesia se alimenta. Não quero deixar claro, quero deixar pulsante. A arte é uma pergunta, não uma resposta.

 Feliz Dia Internacional da DANÇA!

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O legado de Pina Bausch

Ten Chi, de Pina Bausch.
Existem muitos mistérios entre o céu e a terra de Pina Bausch (Ten Chi).

Pina não deixou o melhor para o final, se quer planejou o que aconteceu. Ontem aplaudi de pé a sua Companhia. E pra minha comoção vi aqueles bailarinos chorando. Choravam pela trajetória toda. Pela alma que perderam, pelo renascimento. Assim como quem os aplaudia de verdade. Choravam a emoção de seguir em frente, de superar o que ficou a pouco no baú de memórias.

Ver aqueles homens tão fortes e aquelas mulheres tão seguras chorando foi o melhor final que Pina Bausch pode nos deixar. Nada de passos bem marcados, nada de música sombria ou alegre: sentimento. Pina sempre foi maior que o seu prórpio mundo, sempre sentiu mais que todos, sempre viveu mais que todos. Pina é maior que a própria morte, é viva no acontecimento. Ontem, por cerca de dez minutos, participei do maior legado que se pode deixar: aplausos sem fim.